segunda-feira, 29 de março de 2010

Da relação homem-natureza no sentido religioso

Hoje na aula de redação o professor propôs o seguinte tema: "escreva um texto dissertativo em que você apresente seus argumentos sobre o relacionamento do ser humano com a natureza." Sei que a maioria deve ter pensado a questão relacionando-a com práticas de ocupação do espaço natural, mas eu a vi por uma outra perspectiva, busquei interpretar como filosoficamente o homem se relaciona com a natureza. Este texto é resultado de um antigo projeto meu de escrever sobre essa questão e, de certa forma, faz uma paráfrase de outros dois textos do filósofo Léon Denis já publicados aqui numa postagem intitulada "Dois textos sobre a religião".


Da relação homem-natureza no sentido religioso

Por muito tempo, a crença religiosa julgou a natureza uma realidade enganadora, corrompida e contrária à fé. Para essa crença, o homem deveria necessariamente fechar os olhos a tudo o que o cerca, buscando encontrar apenas em si mesmo e no seu imaginário divino a pureza da alma. O Cristianismo, ou, antes, o Catolicismo, assim procedeu, e com uma justificativa. O objetivo principal da religião cristã no Ocidente, desde sua instauração, deve ter sido o de retirar o homem do exagerado sensualismo pagão predominante em todo o Império Romano – e para que pudesse atingir tal fim ela não possuía outro meio mais eficaz senão através da condenação desta realidade.
O Paganismo greco-romano era a religião que por excelência cultuava a natureza, seus deuses eram todos detentores dos processos físicos naturais e das paixões humanas. Ele, porém, pouco contribuía para a apuração do espírito humano. Resposta contrária a essa adoração exagerada das forças naturais, que conduzia a um materialismo sensualista, a um embrutecimento estúpido do homem e à sua pouca reflexão, o cristianismo veio na forma de um outro exagero, o exagero anti-natural. Os elementos predominantes na crença cristã são a dor e a morte, suas principais representações na arte vêm na forma de criptas, túmulos e catacumbas. É, em suma, o medo tentando vencer a felicidade pagã, a morbidez do pensamento tentando pregar a morbidez do corpo.
Essa felicidade pagã, por ser frívola, leviana e indolente, foi combatida, e com razão, pelo cristianismo. Mas as trevas da idéia da morte, o medo, o temor absoluto à realidade acabaram novamente por comprometer e prejudicar a fé humana. O semblante do cristão foi, desde então, sempre um semblante acabrunhado, abalado e entristecido, como de um indivíduo recluso. Uma fé verdadeira, por sua vez, deveria conduzir à liberdade, aos sentimentos de alegria e satisfação. Assim como o cristianismo combateu o paganismo, uma nova crença deveria vir e combater o cristianismo.
Surgiu, então, essa nova crença, desta vez apoiada nos alicerces inabaláveis da ciência, o moderno Espiritualismo, que se manifestou pelos princípios filosóficos iluministas e, pode-se dizer, pela Revolução Francesa. Os séculos XVIII e XIX presenciaram o espetáculo de uma completa renovação da consciência humana. A compreensão do mundo, iluminada pelas fontes emergentes, alterou-se radicalmente e para melhor.
O homem, então, pôde reconciliar-se com a natureza. Deus, representado na concepção deísta de mundo, foi agora encontrado na forma de luz, e não mais na de trevas. A fé tornou-se mais simples de ser experimentada. Deus subiu do fundo negro das catacumbas para a superfície florida e resplandecente da Terra, para ter contato com os homens. Não mais era necessário ir a uma igreja, contemplar imagens de dor e sofrimento e, até mesmo, castigar-se fisicamente com jejuns e auto-flagelos para encontrá-lo. De qualquer forma e em qualquer ambiente poder-se-ia venerá-lo. Os cenários naturais, diga-se de passagem, tais como um bosque varrido por brisas, o murmúrio das águas de um riacho ou a abóboda celeste, é que se tornaram a melhor fonte de inspiração para o contato com o divino.
Para ter fé, não é mais preciso ao espiritualista viver todos os seus dias como um moribundo prestes a agonizar, nem partilhar dos sofrimentos daquele que carregou a cruz para nela ser pregado. A natureza ressurge agora forte, e com ela a fé humana também se fortalece. Em contrapartida, essa nova crença em nada faz lembrar o sensualismo e a brutalidade da vida pagã. A natureza é mais uma vez reverenciada pela humanidade, dessa vez de forma correta.

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