segunda-feira, 7 de junho de 2010

O papel do Espiritismo como restabelecedor da moral preterida

“A justiça não é somente de origem social, qual a revolução de 1789 procurou estabelecer. Ela vem de mais alto: é de origem divina. Se os homens são iguais diante da lei humana é porque são iguais diante da Lei eterna.”
“O espírito céltico é ávido de claridade e de espaço, apaixonado da liberdade; possui intuição profunda das coisas da alma que reclamam revelação direta, comunhão pessoal com a Natureza visível e invisível. [...] É esse gênio de nossa raça, sobrenadando a onda das invasões, sobrevivendo a todas as vicissitudes da História, reaparecendo sobre vinte formas diversas, depois de períodos de eclipse e de silêncio, que explica a grande missão e a irradiação da França na obra da civilização. [...] Tanto na Ciência quanto na Filosofia, eles conseguiram muitas vezes aplicar o pensamento desnorteado ao sentimento da Natureza e de suas leis reveladoras, a uma concepção mais clara dos princípios eternos. [...] Desde mais de um século, o materialismo alemão entenebreceu o pensamento, paralisou seu surto; podemos verificar por toda parte, em torno de nós, os resultados funestos de sua influência. Mas, eis que o gênio céltico reaparece sob a forma do espiritualismo moderno, para esclarecer de novo a Alma humana em sua ascensão; ele oferece, a todos aqueles cujos lábios estão dessecados pelo áspero vento da vida, a taça de esperança e de imortalidade.”
– Léon Denis.


Uma das questões das quais se ocupa a Filosofia trata especialmente da justiça. A justiça, aliás, é merecedora de um enfoque especial dentro do âmbito das investigações filosóficas e possui um segmento da Filosofia voltado exclusivamente a ela, o da Ética. No decorrer da História, o homem já compreendeu a justiça de diferentes maneiras e sob perspectivas diversas. O primeiro filósofo a pensar sobre a justiça foi o grego Sócrates. Até então, o pensamento humano voltava-se exclusivamente à natureza e tinha por interesse único compreender os seus mistérios. O mito foi a primeira forma, ainda sem bases técnicas, de se explicar os fenômenos observados; ele tudo atribuía aos deuses que imaginava, os quais possuíam características humanas – esse período é conhecido por cosmogonia. Surgiram então aqueles que procuravam analisar os fatos sob uma ótica científica, estabelecendo com rigor as relações de causa e efeito – corrente conhecida como cosmologia. Sócrates, ao debater com seus contemporâneos nas praças de Atenas, muda a perspectiva da filosofia: da tentativa de se compreender a natureza, passa a dar um enfoque especial ao homem, criando a antropologia e inaugurando de fato a Filosofia. Todos aqueles pensadores que existiram antes de Sócrates ficaram conhecidos como pré-socráticos, e a Filosofia, à partir de então, passou a investigar somente a natureza humana.

Os mitos, embora de forma pouco definida e embaraçada às fantasias, já apresentavam de certo modo as noções de “certo” e “errado”, assim como as de punições que o homem poderia receber após a morte caso infringisse alguma norma. Esses mitos, porém, apenas pressentiam vagamente o modo como tais coisas ocorrem. Sócrates, por sua vez, procurou definir com precisão a idéia de justiça, dando ao povo grego, apegado a idéias incertas, a noção correta e exata do modo como a justiça opera. Sua filosofia retirou Deus de sua caracterização antropomórfica; ao contrário dos mitos, Sócrates falou de um deus único, não-humano e caracterizado apenas por ser o Bem, o Belo e a Verdade supremos. Admitia, pois, a existência de uma ordem moral transcendente ao homem, caracterizada pela justa medida, pela suprema inteligência do ser que a ordena e por sua perfeição.

Se analisarmos com atenção as concepções de justiça trazidas pelo Cristo, perceberemos que elas apenas fazem por corroborar, em sua totalidade, as teorias socráticas. Falou o Cristo de um deus semelhante àquele pronunciado por Sócrates, que é único, isento das características humanas e, além disso, perfeito. A moral cristã reflete o mesmo comportamento julgado ético, alguns séculos antes, pelo filósofo grego. Ambas filosofias tomam como verdadeiras a imortalidade do ser humano e a existência de um julgamento divino post mortem. O Cristo, pois, não alterou em nada a concepção de justiça de Sócrates, apenas mostrou-a àqueles ainda não a conheciam.

Após o Cristo, a Filosofia ocidental se viu confinada nos mosteiros católicos, e os filósofos apenas se deram a refletir sobre a moral cristã. Com o Renascimento Cultural, no século XIV, essa tradicional moral, pregada por Sócrates e igualmente pelo Cristo, assim como a concepção de justiça de ambos, passou a ser posta em cheque. A Igreja, após muito tempo passado, já havia deturpado seus princípios, e com a queda de sua credibilidade, caiu também a credibilidade dada à verdadeira moral cristã. O homem, cansado de ser vítima dos mandos e desmandos deliberados dos clérigos, pôs-se a contestar a ordem social vigente. Lutero foi um grande exemplo disso: o princípio da dúvida que colocou diante do dogma católico fê-lo desfalecer e cair desmascarado perante a Verdade. Grande parte dos homens, porém, passou simplesmente a ignorar os princípios morais cristãos. A ciência, cujo progresso desde então passou a ser notório, julgava, de acordo com a ótica criada pelas leis que revelava, serem de uma ordem impossível os acontecimentos bíblicos. Isso fez com que, ao passar dos séculos, a Igreja perdesse cada vez mais seu apreço por parte dos livre-pensadores, e estes, o seu comprometimento com tudo aquilo que até então se considerara sacro.

Criou-se então a concepção relativista da justiça. No decorrer dos séculos que se passaram, quase a totalidade dos filósofos, salvo aqueles que de uma forma ou de outra ainda visualizavam alguma fonte de espiritualidade, aderiram-se a essa concepção. Segundo ela, a justiça seria uma mera criação humana. Faz-se mister também que se saiba que os filósofos que defendiam ou defendem essa idéia percebem o homem simplesmente como o produto do acaso, sendo apenas um ser como qualquer outro no universo e não havendo para ele alguma finalidade especial no existir. Não crêem eles, pois, obviamente, na existência de um deus. A justiça é para esses filósofos a forma encontrada pela humanidade de se viver em sociedade, sendo que ela pode variar de sociedade para sociedade e de época para época, de acordo com o contexto histórico em que está empregada. Sendo assim, o “bem” e o “mal” não passariam de mais uma invencionice humana, bem como a idéia que se tem de “paraíso” e “inferno”, cujas finalidades estariam apenas em converter o homem dito mal comportado a um nível de aceitação social.

A primeira corrente filosófica a utilizar tal concepção de justiça para uma finalidade prática foi o Iluminismo. Os iluministas, sem generalizar, julgaram, com a Revolução Francesa, estarem destruindo o dogma da relação da justiça com a religião; seu objetivo era depor o absolutismo, a concessão de direitos divinos aos governantes, e isso eles conseguiram. Talvez tenha sido esse o primeiro momento da História em que soldados e exércitos marchavam e lutavam sem procurarem se revestir de uma proteção divina e sem cantarem os hinos de uma religião. Pouco tempo depois, surgiu na Terra o marxismo. Mais uma vez apoiados em ideais libertários, livres de crendices e superstições, homens tentaram revolucionar o mundo. Apoiados nas idéias socialistas do alemão Karl Marx, os bolcheviques tomaram à força o poder da Rússia e instauraram uma ordem de repressão. Sob o comando de Stálin, milhões de russos foram mortos. O mesmo ocorreu na China e em outros países socialistas. O ideal marxista de uma sociedade estritamente igualitária, outra tentativa de se criar uma ordem judicial independente da religião, tornou-se então a maior das utopias e desvaneceu diante da ordem dos fatos.

No entanto, o pior do abandono da idéia de Deus pelos filósofos não estava nem com os iluministas nem com Marx, estava com outro alemão: Frederico Nietzsche. Até então, iluministas e marxistas, julgando serem as religiões disparates contra a razão, haviam procurado apenas substituir a justiça divina por uma outra justiça terrena. Nietzsche, ao seu modo, quis acabar com toda e qualquer ordem moral. Com base nas suas reflexões, julgou, no seu Anticristo, ser uma farsa a existência de uma “ordem moral do mundo”. O Bem, o Belo, a Verdade supremos, o Ideal, passaram então a ser considerados de pura imaginação, jamais existentes de fato. Para a manutenção da vida em sociedade, a filosofia de Nietzsche nada oferece. Pelo contrário, condena a justiça, a virtude, a razão, julgando não passarem elas de invenções humanas. Nietzsche destrói toda a metafísica de valores até então estabelecida, não só a de valores divinos como a que procurava estabelecer uma ordem terrena. Dessa forma, promove o orgulho, o egoísmo, a aversão entre os homens, destrói a piedade, a compaixão, todo sentimento julgado nobre pelo senso cristão. Schopenhauer, outro filósofo alemão pessimista, e Nietzsche, com suas filosofias, realizam uma completa metamorfose da consciência humana e das relações sociais, levam alguns homens à negação da vida e a sua redução ao nada e outros a uma auto-afirmação sobejamente egoísta.

E é nesse contexto de cepticismo, marcado pelo profundo pessimismo e pela ausência de motivos para conduzir a vida, uma vez que o homem já não visualizava em fonte alguma uma possibilidade de progredir, não possuindo desse modo motivo algum para a ação, beirando o abismo existencial e o niilismo, que surge na França – e especialmente na França do povo celta – o novo espiritualismo, fundado na ciência e por um cientista céptico, Allan Kardec.

O homem científico e livre-pesquisador já não tinha mais esperança alguma de encontrar sua fonte de espiritualidade. Tornava-se ele egoísta por ter dado livre curso ao progresso de seu conhecimento. Olhava ele da Terra a imensidão do mundo e imaginava-se uma partícula ínfima, desimportantíssima em toda a eternidade do cosmo. Não via por isso diferenças entre apresentar-se com uma postura correta ou perversa, cria ele na extinção da vida, na extinção de tudo; com sua consciência aberta à eternidade, o momento presente não lhe apresentava mais valor algum e, afinal, pensava, se tudo um dia estará acabado, morto, não há diferença alguma entre ser bom ou mau. Cometia por isso, sem pesar algum, os atos mais frívolos e levianos. Vários criminosos, aliás, como exemplo disso, utilizaram, no século XX, a filosofia nietzschiana como uma forma de justificação de seus crimes.

O movimento espírita surgiu então na França do século XIX, iniciado com a codificação dos fenômenos espíritas por Allan Kardec. Nesse século, espíritos se manifestavam em toda parte do globo, e Kardec viu nisso uma missão reveladora: eles vieram restaurar a moral que nossa época fez desaparecer. O Espiritismo fundamentou-se em bases sólidas de uma ciência, com todo seu rigor metodológico, e assim pôde ser tomado como algo aceitável pelos cientistas e filósofos, os mesmos que se perdiam no ateísmo e no materialismo. A revelação espírita provou ao homem cientista, abatido pelo niilismo dominante em seu tempo, aquilo que ele havia julgado ser improvável: a existência dos mesmos Bem e Belo supremos pregados por Sócrates e depois supostamente destruídos por Nietzsche. Provou a existência do espírito, da vida após a morte, e os espíritos com quem dialogou lhe disseram da existência de Deus.

O Espiritismo, na sua missão temporal, reedificou a moral cristã, reavivou os princípios de justiça no coração humano, deu luz e calor aos filósofos que antes só enchiam os espaços universitários de acabrunhamento. Combateu o relativismo nietzschiano, provou ao homem a existência daquilo que ele estava convicto de que jamais voltaria a encontrar: a “ordem moral do mundo”, o motivo para ser justo, para agir na sociedade. Se povos diferentes possuem hábitos e leis diferentes, isso se deve ao fato de eles estarem mais ou menos próximos a Deus, serem mais ou menos conhecedores da Verdade única.

As utopias igualitárias que o século passado tentou promover também foram igualmente combatidas pelo Espiritismo. No que se havia tornado o homem das concepções de justiça independentes de Deus? – Num ser que, como todos os animais, não possui mais razão, mas apenas instinto, que busca tão somente aquilo que lhe convém, sem se preocupar com os efeitos colaterais de sua ação. A revolução socialista de Marx fundamenta-se num mero conflito de classes, numa disputa, e o próprio pensava que desse fato uma perfeita sociedade erigir-se-ia. E de que forma as massas trabalhadoras tomaram o pensamento marxista? – Como um motivo para uma rebelião em massa.

Víamos, e ainda vemos, diariamente, a oposição entre os burgueses, arrogantes e avarentos, e proletários, revoltados e invejosos, passar-se no mundo, ambas classes procurando por seus privilégios e benefícios, e para isso brigando sem cessar. Ora, a idéia de revolução comunista, que Marx concebeu “científica” e que, segundo ele, resultaria no perfeito socialismo, só é tomada pelo proletário por seu ódio e rancor daqueles que se encontram numa situação melhor. São os proletários incapazes de se satisfazer com o que têm e com o que são, e tão somente por isso se tornam adeptos de uma teoria que a princípio serviria à razão. O que procura garantir o socialismo marxista? – A igualdade material. Ora, mas que laços de amor, que afeição a igualdade material geraria? A humanidade seria no socialismo tão ou mais fria do que é no capitalismo.

O homem, nós espiritualistas sabemos, não é apenas um ser material, mecânico, passível de ser submetido a um adestramento que o molde conforme se deseje. Todos os homens estão em níveis diferentes de evolução, não têm o mesmo saber e não podem, pois, agir do mesmo modo. Os espetáculos funestos e sanguinolentos das revoluções socialistas só fizeram por sacrificar milhões de homens.

E agora o pensador que se tornou espírita sabe: o marxista é o mais mesquinho e mais medíocre dos filósofos. Ele nada procura inquirir sobre a existência, nem ausculta a si mesmo. Concebe o homem como um produto do meio, mas nada sabe sobre a vida. Jamais procura conhecer os mistérios do Universo, não se interessa pelo segredo da sua origem. Não sabe o significado da palavra “infinito”, está tão compenetrado na sua revolução que nem nota que o tempo e o espaço são sem-fim. Preocupa-se muito com o seu porvir próximo, seu objetivo maior é tornar-se um mártir e ser lembrado por alguns séculos; não sabe, porém, que mil anos nada são na eternidade. Sua visão é demasiadamente limitada, e ele jamais se pergunta: “Ora, se deus não existe, tudo um dia terá virado pó. Toda a humanidade e tudo o que ela criou haverá tido um fim. Que motivo há, pois, para se fazer uma revolução?” Não sabe ele da profundidade da vida, e se mesmo não crendo na existência de um deus não se torna um niilista, é porque muito pouco procura saber sobre o mundo. O marxista, por final, critica muito a alienação; mas o espiritualista moderno o sabe: ele é o mais alienado dos seres.

Os séculos XIX e XX provaram na prática a impossibilidade de se criar uma ordem de relações humanas justa sem que esta se ampare num ideal, num Deus. O veredicto final que damos à justiça, após toda a análise da história da filosofia e da modernidade, apontam para que ela transcenda o homem, seja eterna, seja uma das leis divinas que organizam toda a existência. A moral, ao contrário do que os relativistas afirmaram, não é mera invenção humana, é uma lei divina que preside à existência de todos os seres e subsiste a tudo. A eqüidade de posses, a igualdade material, como tentou estabelecer Marx, não se fazem indício algum de fraternidade. Ora, a Lei suprema, a ordem de Deus, estabelece que mais justo que por um olho se entregue um olho e que por um dente se entregue um dente é que se perdoe aquele que tenha causado algum mal. A solidariedade universal são o princípio e o fim da Lei, se os homens nascem pobres é para que aprendam a aceitar, a resignar-se, a perdoar, se nascem ricos, para que saibam ajudar aos seus semelhantes. No final, o objetivo único dessa moral é conduzir a humanidade à fraternidade irrestrita que predominará no universo.

Sócrates e o Cristo deram ao Ocidente as revelações dessa moral. Homens comuns a deturparam e a eximiram do coração humano. O Espiritismo, na sua missão temporal e com sua revelação de verdade, vem restabelecê-la, reavivá-la no mundo moderno. É ele, inegavelmente, o Consolador de todas as almas deprimidas do nosso tempo.


Vítor Lopes de Souza Alves, 26 de agosto de 2009.

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