terça-feira, 19 de abril de 2011

Miserere mei, Deus

Domingo passado decidi sair à rua e ir acompanhar a Procissão de Ramos. Não tomei a iniciativa de me misturar à multidão e participar da passeata, mas ao menos de longe pude presenciar o fervor dos católicos. Eu havia voltado a experimentar o vazio da existência, e precisava novamente preenchê-lo com a fé. Não há alegria maior que a do reencontro com Deus. A seguir, publico dois poemas e uma música que para mim expressam bem esse sentimento.



O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!

Antero de Quental

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Ali não havia electricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler –
A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes
E reli a "Primeira Epístola aos Coríntios".
Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.
A "
Primeira Epístola aos Coríntios"...
Relia-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
"Se eu não tivesse a caridade".
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre...
"Se eu não tivesse a caridade"...
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...

Álvaro de Campos

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Misericórdia, misericórdia!
Misericórdia, mísero sou,
Porém brindo à vida!

Mas que mistério é a minha vida,
Que mistério!
Sou um pecador do ano de oitenta mil,
Um enganador.
Mas onde estou e o que faço,
Como vivo?
Vivo na alma do mundo
Perdido, vivendo intensamente!

Misericórdia, mísero sou,
Porém brindo a vida!

Eu sou o santo que te traiu
Quando estavas só,
E vivo displicente e observo o mundo
La do céu.
E vejo mares e florestas,
Vejo a mim mesmo que...
Vivo na alma do mundo
Perdido vivendo intensamente!

Misericórdia, mísero sou,
Porém brindo a vida!

Se houver uma noite escura o suficiente
Para me esconder, esconde-me.
Se houver uma luz, uma esperança,
Sol magnífico que resplandece dentro de mim,
Dá-me a graça da vida
Que ainda não tenho!

Misericórdia, misericórdia!
Aquela dádiva da vida que talvez
Ainda não tenha.

Zucchero

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