sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Reflexão sobre a morte

Hoje publico mais um texto do meu acervo de Camille Flammarion. O trecho está contido no livro Urânia. Uma reflexão sobre aquilo que é comum a todos e quase todos se recusam a enxergar, um medo que a maioria das pessoas dissimula a si mesma e por isso não consegue resolver: a morte.


Camille Flammarion, do livro Urânia:

"Que é um morto?
Morre uma criatura humana em cada segundo, no conjunto do globo terrestre, isto é, cerca de 86.400 por dia, ou cerca de 31 milhões por ano, ou mais de 3 bilhões por século. Em dez séculos, mais de 30 bilhões de cadáveres têm sido entregues à terra e restituídos à circulação geral sob a forma de produtos diversos, água, gás, vapores, etc. Se tivermos em conta o decréscimo da população humana, à medida que remontarmos às idades históricas, acharemos que, nestes últimos cem séculos, duzentos bilhões de corpos humanos, pelo menos, têm sido formados da terra e da atmosfera, pela respiração e pela alimentação, e para ela têm voltado.
As moléculas de oxigênio, hidrogênio, ácido carbônico e azoto que constituíram esses corpos têm adubado a terra, e têm sido restituídas à circulação atmosférica.
Sim, a Terra em que habitamos é hoje formada em parte por esses bilhões de cérebros que pensaram, por esses bilhões de organismos que viveram. Caminhamos sobre nossos avós, e assim eles nos pisarão também. As frontes dos pensadores; os olhos que contemplaram, que sorriram, que choraram; os corações que amaram e sofreram; as bocas que entoaram cânticos de amor; os lábios rosados e os seios de mármore; as entranhas das mães; os braços dos trabalhadores; os músculos dos guerreiros; o sangue dos vencidos; as crianças e os velhos; os bons e os maus; os ricos e os pobres; tudo quanto viveu, tudo quanto pensou, jaz na mesma terra. Seria difícil hoje dar um único passo no planeta sem pisar no despojo dos mortos; seria difícil comer e beber sem reabsorver o que já foi comido e bebido milhares de vezes; seria difícil respirar sem incorporar o hálito dos mortos. Os elementos constitutivos dos corpos, hauridos na Natureza, à Natureza voltaram, e cada um traz em si átomos que precedentemente pertenceram a outros corpos.
Pois bem! pensais que a Humanidade toda seja isso? Pensais que ela não haja deixado nada mais nobre, mais grandioso, mais espiritual?
Cada um, ao exalar o último suspiro, não dá ao Universo sessenta ou oitenta quilos de carne e osso, que se vão desagregar e reverter aos elementos? Não permanece a alma que nos anima, pela mesma razão por que permanece cada molécula de oxigênio, de azoto ou de ferro? E não continuam a existir todas as almas que viveram?
Nenhum direito nos assiste de afirmar que o homem seja unicamente composto de elementos materiais e que a faculdade de pensar não seja mais do que uma propriedade desse conjunto. Temos, ao contrário, as mais íntimas razões para admitir que a alma é uma entidade individual, e que é ela quem rege as moléculas para organizar a forma vivente do corpo humano.
A serenidade luminosa e quase sorridente do semblante do ser humano quando morre, serenidade que substitui – qual relâmpago de calma felicidade – as angústias da agonia, não indicará que, nessa hora suprema, a última impressão da alma, no momento do desligamento, foi uma impressão de luz, uma espécie de visão de liberdade?
Que resulta às moléculas invisíveis e intangíveis que compuseram o corpo durante a vida? Vão pertencer a novos corpos. Que destino têm as almas, igualmente invisíveis e intangíveis? Pode-se pensar que reencarnam, também, em novos organismos, cada uma segundo a sua natureza, as suas faculdades, o seu destino.
A alma pertence ao mundo psíquico. Sem duvida, há na Terra uma quantidade inúmera de almas ainda pesadas, grosseiras, apenas desprendidas da Matéria, incapazes de conceber as realidades intelectuais. Outras há, porém, que vivem no estudo, na contemplação, no cultivo do mundo psíquico ou espiritual. Essas podem não ficar presas na Terra, e o seu destino é viver da vida urânica.
A alma uraniana vive, mesmo durante as encarnações terrestres, no mundo do absoluto e do divino. Ela sabe que, mesmo habitando na Terra, está no céu em realidade, e que o nosso planeta é um astro do céu.
Qual é a natureza íntima da alma? Quais são os seus modos de manifestação? Quando sua memória se torna permanente e mantém com certeza a identidade consciente? Sob que diversidade de formas e de substâncias pode viver? Que extensão de espaço pode transpor? Qual a ordem de parentesco intelectual existe entre os diferentes planetas de um mesmo sistema? Qual é a força germinadora que sementeia os mundos? Quando nos poderemos pôr em comunicação com as pátrias vizinhas? Quando penetraremos o segredo profundo dos destinos?
Mistério e ignorância hoje. Mas o desconhecido de ontem é a verdade de amanhã.
Fato de ordem histórica e científica, absolutamente incontestável: em todos os séculos, em todos os povos e sob as mais diversas aparências religiosas, a idéia de imortalidade repousa invulnerável no fundo da consciência humana. A educação lhe tem dado mil formas, mas não a inventou. Essa idéia existe por si mesma. Toda criatura humana, vindo ao mundo, traz, de maneira mais ou menos vaga, esse sentimento íntimo, esse desejo, essa esperança."

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