quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sobre o comportamento: a moral e a estética na atualidade

Neste texto nada mais falo que sobre a relação que se pode observar entre a ninfomania e o estilo Barroco. Também defendo que devemos começar a contar o tempo de maneira decrescente, de modo que voltemos desta era para a era a.C. Estranho? Leia e confira.

O Êxtase de Santa Tereza, Bernini.


Vive-se hoje numa época de rompimento com os valores religiosos cristãos e de adoção de uma nova cultura marcada pela presença de valores pagãos. A crença religiosa do passado, que procurava obscurecer tudo, vedava aos olhos humanos qualquer imagem que pudesse remeter à natureza física e às sensações corpóreas, impedindo o homem de experimentar os ímpetos carnais e facilitando-lhe a fé. Essa crença instaurou entre a humanidade uma moral e uma arte próprias. Sua moral pregava a santidade, a pureza da alma e o combate ao pecado, entendido como a não-resistência às sensações mundanas; e sua arte, atendendo à exigência dessa moral de inspirar uma boa conduta, apenas representava figuras de santos. Com a deposição dessa antiga crença, toda a ordem de valores morais e estéticos correlacionados a ela também veio a sucumbir, tendo ressurgido a libertinagem pagã e a devoção pagã ao sensualismo, além de, acompanhando o advento dessa nova ordem de valores que não é recente, mas que apenas trata da recuperação daquela que sucedia a anterior, um desejo íntimo de representar na arte as sensações corpóreas humanas. Trata-se da substituição duma era extremamente apolínea por outra que vem a ser exageradamente dionisíaca.
Historicamente, pode-se dizer que esse processo de metamorfose da cultura ocidental teve início com o Barroco. Foi esse o primeiro estilo artístico, embora ainda marcado pelo sentimento cristão de culpa, a romper com a tradição artística cristã. No Barroco, o desejo de se mostrar sensual e voluptuoso vem ainda confundido com as figuras do cristianismo, vide O Êxtase de Santa Tereza, de Bernini, escultura na qual a santa católica revela claramente ter sido apossada por um sentimento passional. As obras barrocas causaram grande furor em toda a Europa e puseram em conflito duas maneiras de conceber o mundo: uma histórica e outra revolucionária. A partir de então, um novo elemento viria a se apoderar de toda forma de arte existente e de qualquer gênero da representação humana: o erotismo. Antes presente timidamente na escultura e na pintura e expresso por vezes querendo esconder-se e não ser explicitamente mostrado, hoje ele toma parte nas revistas, nos gibis, nos filmes e, por fim, nas novelas televisivas. Nada do que é produzido sem o erotismo vende na atualidade; toda propaganda deve mostrar uma mulher seminua, todo filme deve ter pelo menos uma cena de beijo, e capítulo de novela nenhum acaba sem que um casal tenha se pegado na cama. Não é mais possível viver um dia sem que uma imagem que promova uma sensação do corpo seja presenciada. As crianças, tendo acesso à televisão e a outros meios de comunicação, são conduzidas a uma desinibição sexual cada vez mais precoce.
O resultado final, isto é, o ápice desse processo metamorfósico de rompimento com os valores cristãos, dá-se hoje, trata-se da pornografia. A pornografia está presente e pode ser comprada em qualquer lugar: das bancas de revista à internet. Distúrbios comportamentais que são do conhecimento da Psicologia surgem por causa dela. A compulsão por sexo, que é um tipo de perturbação próprio da atualidade, não surge de dentro do sujeito. Ela é, na verdade, apenas um sintoma do contacto maior que se tem hoje, através dos sentidos, com o sensualismo representado, o que não deixa de ser um fenômeno estético. Vista como doença, essa compulsão é prova da involução promovida pela humanidade nos séculos mais recentes. É a humanidade a se reconduzir a um tipo primitivo de comportamento, a enterrar Cristo e o cristianismo e a ressuscitar Messalina e todo o paganismo.

3 comentários:

  1. A "necessidade" da nudez, de fato, é marca da nossa pseudo-civlização ocidental... exatamente ao contrário da cultura muçulmana, que visa a total preservação (no caso da mulher) do olhar alheio. Sinceramente, não vejo alternativas no sentido de fazer algo ou agir... mas compreender.

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  2. Gostei do termo "pseudo-civilização".
    Concordo com o que disse sobre a sociedade islâmica. O termo civilização, de alguma forma, remete ao termo religião, de modo que não há civilização sem o predomínio de uma religião. Os países muçulmanos são, ainda hoje, estados teocráticos com culturas fortemente controladas pela religião muçulmana. O que matou a nossa religião, a cristã, foi o poder do capital. O capitalismo substituiu o cristianismo, e pode-se dizer que é ele mesmo, o capitalismo, que nos faz retroceder, resumindo tudo ao princípio da utilidade e nos tornando novamente meros animais no meio da fauna. Os países do oriente vão ceder quando os muçulmanos começarem a beber coca-cola. Daí para transformarem tudo em relações monetárias, como fizemos, será um passo.
    No entanto, creio ser possível, pelo menos individualmente, superar essa regressão da nossa cultura. A nível de massas, pensando na humanidade inteira, concordo que seja impossível. A humanidade perdeu uma cultura apreendida, assimilada durante séculos. Pessoalmente, entretanto, eu me esforço para nadar contra a corrente e manter viva a "Filosofia" - embora mesmo nos meios filosóficos o que mais se vê seja pura libertinagem, e a figura do filósofo tenha, para muitos, se transformado na de um libertino.

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  3. Vitor, gostei muito do seu texto...concordo plenamente quando você diz que há um crescimento de valores que rompem com os valores cristãos. Percebo que há, principalmente, uma grande desvalorização da mulher nos dias de hoje e isso é um retrocesso para uma sociedade dita civilizada e tecnológica.

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